sexta-feira, 10 de abril de 2009

O alarme soa quando somem as borboletas

Antes de chegar à idade adulta, quando adquire asas e passa a gozar de ampla liberdade, a borboleta passa uma fase relativamente longa sob a forma de larva. Fica, então, condicionada a viver agarrada a uma espécie qualquer de vegetal, que Ihe garanta a sobrevivência fornecendo-lhe alimento nas grandes quantidades de que ela tem necessidade. As lagartas que se mostram excessivamente seletivas na escolha de sua planta-alimento estão, teoricamente, ameaçadas, pois se o homem acabar com a planta, acabará também com a borboleta. E cada vez mais escasseiam, no Brasil e nos demais países da América Latina, as espécies nativas de bambus e ingazeiros, que fazem as delicias das larvas.
Isso tem se tornado uma coisa tão marcante, que as borboletas acabaram sendo reconhecidas como uma espécie de barômetro para detectar os ataques do homem ao meio ambiente. Foram cientistas americanos, europeus e japoneses que chegaram a essa surpreendente conclusão, a partir do alarme que soou na costa ocidental dos Estados Unidos, mais precisamente na bala de São Francisco, na Califórnia.
Lá estava localizado o último recanto onde sobrevivia uma pequenina borboleta azulada, a GIaucopsyche Xerces, uma espécie que vinha se tornando cada vez mais rara. Depois que os últimos exemplares de lótus nativos da baía de São Francisco foram destruídos pelos serviços de aterro necessários para ampliar a faixa urbanizada da cidade, a frágil borboletinha azulada nunca mais foi encontrada. Suas lagartas alimentavam-se exclusivamente com as folhas do lótus. O desaparecimento da Xerces despertou a atenção dos cientistas para um fato de conseqüências mais graves: se uma determinada espécie de borboleta escasseia, ou mesmo desaparece, numa determinada região que antes habitava, algo muito grave pode estar ocorrendo por ali com o equilíbrio ecológico.

Aqui no Brasil, já falta pouco para que tenhamos a nossa primeira borboleta extinta pela ação irrefreada dos predadores humanos do meio ambiente. Ela se chama Parides ascanius, e sempre habitou uma faixa estreita e curta do litoral do Rio de Janeiro, justamente a área do litoral brasileiro que mais vem sofrendo os efeitos da voracidade imobiliária que abocanha praia após praia. Ela é uma borboleta de asas negras, listradas de branco e grená, habitante dos mangues e das matas litorâneas. Suas larvas alimentam-se com as folhas de uma trepadeira silvestre, a Aristalochia macroura, uma planta rara e venenosa.
O caso dessa borboleta e de sua planta-alimento é um bom exemplo de como se faz, ao longo de um tempo que se mede por milênios, a evolução de um relacionamento biológico do tipo inseto-planta. Ironicamente, as poucas e raras lagartas da Ascanius ainda existentes no Brasil, talvez as últimas, são cultivadas e preservadas, em cativeiro, por um caçador de borboletas que há mais de quarenta anos se dedica a capturar e exportar esses belos animaizinhos para vários países. Trata-se do catarinense Herbert Miers. Atarantado com as exigências burocráticas do governo para que possa exportar suas azuis - registro, alvará e manter uma criação de larvas -, ele reclama: "Isso só faz sujeira, não é eficiente". Eficiente seria prestar atenção aos alarmes naturais - como as borboletas que desaparecem das matas - e corrigir as distorções que os fazem soar.

Retirado do site da revista Superinteressante.

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